Nick Bilton, repórter do New York Times, certa vez perguntou para Steve Jobs se os filhos dele amavam o iPad, como ele imaginava. O fundador da Apple disse: “eles não o usaram ainda. Nós limitamos o tanto de tecnologia que nossos filhos utilizam em casa”. A resposta surpreendeu o jornalista, até porque não estamos falando de crianças pequenas: eram adolescentes, de 12 e 14 anos, na época.
Em uma reportagem bem legal publicada ontem no New York Times, Nick Bilton lembrou do caso e falou com outras pessoas importantes das empresas da tecnologia e descobriu que, em casa de ferreiro, não há muito espaço para brinquedos digitais: Chris Anderson, ex-editor da Wired e fundador de uma empresa que fabrica drones, diz que os seus filhos reclamam que só eles têm regras rígidas sobre usar gadgets. Nenhum dos pais dos seus coleguinhas regula tanto. “Fazemos isso porque eu vi os perigos da tecnologia em primeira mão. Eu não quero isso acontecendo com os meus filhos.”
Por “perigos”, Chris fala de bullying e vício, especialmente. É a mesma preocupação de outras pessoas de grandes empresas do meio, como Twitter e Facebook. Justamente por terem contato constante com as tecnologias, preferem que os filhos usem as telas para “criarem conteúdo”, por tempo limitado, ou com supervisão de adultos.
Qualquer pessoa que conviva com uma criança nascida nos últimos anos sabe quão difícil é manter smartphones longe delas. Eu tenho um sobrinho de 3 anos que sabe abrir o Youtube e digitar o nome de um vídeo específico (ou as primeiras letras), mesmo sem, tecnicamente, saber ler. É insano. Ele me vê com o iPhone e já pede. Ele passa bastante tempo mexendo nessas coisas (certamente menos que ele gostaria), mas, por outro lado, é difícil repreender qualquer pessoa por dar o gadget a uma criança: a verdade é que quando os pais estão cansados, os smartphones e tablets servem como um calmante e tanto: a molecada fica entretida por horas, se deixar.
Há várias teorias sobre a origem do “vício” que as crianças parecem ter desenvolvido com esses brinquedos tecnológicos. O que é cada vez mais aparente, pelas últimas pesquisas, é que a criança é mais propensa a gostar das telas quando os pais as usam bastante. A maneira com que os pais se comportam próximos à criança é determinante para o seu comportamento, e o filho quer saber o que é aquele pequeno objeto que fascina tanto o adulto.
Os efeitos desse uso constante ainda não são muito claros, e as teorias variam de apocalípticas (um pesquisador chama a geração atual de “crianças-zumbi”) a muito otimistas (“as crianças são muito mais espertas!”, pensam avós orgulhosas). A verdade deve estar em algum lugar no meio do caminho, provavelmente, mas a maior parte dos pediatras que pesquisei quando escrevi meu livro diziam que o excesso de tela poderia retardar o desenvolvimento emocional, já que as crianças teriam menos interações “cara-a-cara” com outras pessoas. Isso não é específico de tablets e smartphones, que fique claro: se elas lessem demais ou vissem TV o efeito seria o mesmo: o problema está na falta do contato com outras pessoas em uma fase importante para o amadurecimento.
Agora, não espere encontrar regras, tempos-limite ou fórmulas mágicas entre os especialistas. “Usar um iPad” pode ser incrível para o desenvolvimento de uma criança, contanto que ela não esteja gastando esse tempo vendo o mesmo vídeo no Youtube pela enésima vez. Há muitos apps interessantes, que podem atiçar mais a curiosidade da criança que muita Peppa Pig por aí. Na hora de decidir a política de uso na casa, é importante considerar também que cada criança ou adolescente tem propensões diferentes — nessa ótima reportagem da Atlantic, a autora, também mãe, diz que o seu filho com mais tendências de “vício” tem o contato com as telas bastante regrados. A maneira com que os pais devem dosar o relacionamento da criança com as telas depende muitíssimo de como a criança se comporta.
Seja como for, não deixa de ser curioso a relação dos filhos de Steve Jobs com a tecnologia. Nick Bilton conversou com Walter Isaacson, que escreveu a biografia do fundador da Apple para confirmar a história. Ele disse que todo noite a família se juntava à mesa de jantar, e as telas não vinham junto. “Eles discutiam livros, história e uma variedade de coisas”, conta Isaacson, reforçando que as crianças não pareciam “nada viciadas nos aparelhos”. Era uma questão de prioridades na família Jobs.
Por Pedro Burgos
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